[OutraCozinha #39] Ventos de mudança
lhando com um pouquinho de atenção, a gente percebe o quanto os processos naturais têm muitos momentos de hiatos. A onda do mar que recua antes de quebrar, o inverno que paralisa antes da primavera, os momentos vulneráveis em que a cigarra espera a troca do exoesqueleto. As coisas passam por um momento de pausa, em que parece que nada acontece mas em que as coisas estão num movimento silencioso, pra em seguida aparecerem numa explosão ainda mais bonita do que as que a gente tinha na lembrança.
Fazia um tempo que eu estava fermentando algumas questões. E esse ano, eu aproveitei as mudanças pessoais que precisei fazer - de casa, de cidade, e de rotina, já que não tem como fugir das adaptações da pandemia - pra criar espaço pra mudanças mais sutis nas formas de me comunicar e nas intenções daquilo que estou botando no mundo.
Já comecei a contar algumas dessas mudanças nas redes sociais.
Decidi escrever mais no site do OutraCozinha - porque essa prática tem me proporcionado alegria. Eu gosto do trabalho de pesquisa e de estar sempre estudando pra apresentar um olhar. Eu posso escrever com mais liberdade, o que eu publico se torna facilmente acessível numa busca, e eu amo poder conversar com as minhas referências usando links. Agora tem textos e fotos saindo (quase) todas as sextas, e eu tenho me orgulhado dessa constância.
Mas pra isso ser possível, percebi também que precisava gastar menos energia com o que não me traz tanto brilho nos olhos.
Decidi usar menos o Instagram. Não estou saindo de lá, porque acho importante seguir ocupando esses espaços com outras propostas que não as que o algoritmo acha que são válidas, mas quero estar lá mais espaçado. Tenho usado as quintas e sextas pra isso, pra contar histórias sobre o que vi, pesquisei e fermentei, além de mostrar o que publiquei com carinho no site. Senti que assim sou mais respeitosa com o tempo de quem me acompanha, tenho mais intenção ao estar ali, e preciso menos fazer uma performance de parecer interessante o tempo todo, que tá longe daquilo que me interessa fazer.
Pra completar, resolvi abrir um canal no Telegram como alternativa, que é um espaço que não tem algoritmo e é limpinho. Tenho me gravado lendo o que eu escrevo - a ideia veio pensando em acessibilidade pro site, já que as ferramentas de leitura automática são boas mas limitadas, porque falta o tom que a interpretação da leitura dá pro texto. É um jeito de estar presente sem precisar do tempo com os olhos na tela. Virou uma espécie de podcast curto e informal, e meus gatos tem gostado também de participar com miadinhos.
E hoje tô aqui compartilhar outra novidade.
O OutraCozinha agora tem um Apoia-se
Clique aqui pra visitar o Apoia-se do OutraCozinha e ver as recompensas
Fiz um financiamento recorrente, pra permitir que o que faço no OutraCozinha seja sustentável financeiramente. Pra que eu possa investir em livros, materiais artísticos e outras criações que servem de base pra escrever e botar coisas no mundo. Mas também é uma forma pra que eu seja remunerada pelo que escrevo. É uma proposta em que eu continuo sem nenhuma amarra em interesses comerciais, e posso seguir criando amorosamente.
Tudo o que publico no site vai continuar sendo aberto e gratuito. Mas a partir de $5 reais, você vai receber no seu email uma cartinha digital inédita por mês. Com $15, além da carta digital, vai participar de sorteios mensais de chás criados por mim, bordados, livros e o que mais eu estiver criando. Com $30 reais, além de todas essas coisas, vai receber essa cartinha em casa, pelos correios, impressa em papéis bonitos e com criações artesanais. Mais do que uma recompensa, essas cartas são uma proposta criativa que resgata outra temporalidade e um aconchego fora das telas. Um projeto novo que estou colocando no mundo.
A cartinha - na versão digital e na física - tem uma proposta parecida com o que eu já fazia: textos mais longos, conectando ideias que partem da comida pra refletir sobre o mundo em que vivemos. Mas vai ter um tom um pouco diferente. Quero que você experimente mais a leitura como uma troca de cartas mesmo, porque acho que isso traz um certo sentimento.
Esta newsletter que você está recebendo, a partir de agora, vai virar um espaço pra levar mais ao pé da letra a parte news - vou contar das novidades e das pesquisas que estiver fazendo, além de trazer uma curadoria de leituras e outros materiais internet afora, como sempre fiz na sobremesa do que escrevia. Tudo isso com uma periodicidade mansa, sem sobrecarregar, dizendo quando tenho algo a ser dito.
Se o que crio te toca de alguma forma, considere apoiar financeiramente pra que o trabalho continue. Se uma contribuição mensal do Apoia-se não for a sua, existem outras formas também de fazer florescer a internet que você quer ver:
Você pode fazer uma contribuição única de qualquer valor, no melhor estilo 'me pague um café'. Use o pix: outracozinha@gmail.com
Compre livros usando links recomendados espalhados pelo site. Muitas vezes eu falo sobre livros nelas e não escrevo no site, e as buscas nas redes costumam ser um bocado ingratas, eu sei como é. Você pode me pedir o link nas redes sociais também se não estiver encontrando.
Recomende o meu trabalho nas suas redes sociais, falando sobre ele ou compartilhe com os outros;
Comente, me escreva, converse. Ter companhia no processo também é algo incrível.
É muito bom poder ter companhia em mais esse ano, e ter tantas pessoas interessadas no que eu tenho a mostrar. Ser ouvida é uma responsabilidade enorme e que eu levo muito a sério, e só isso já me faz ter muito a agradecer <3
SOBREMESA
Pra terminar, nessa sobremesa tem leituras e conversas que me fizeram pensar sobre criar na internet hoje. Sei que muita gente tem uma angústia com isso, não só por estar criando e querer ser visto, mas também pela vontade de expor e se sentir inseguro. E todos nós também somos audiência, e estamos aqui no meio desse lugar que as vezes parece um grande intervalo comercial. Esmiuçar o que acontece é uma ótima forma de entender como desarmar essa lógica. Dá sim pra fazer diferente:
Essa demanda de se transformar o ordinário em extraordinário todos os dias, e fazer com que tudo pareça especial - que pode ser desde aguar as plantas de manhã até a rotina de cuidados com a pele a noite - causa um desgaste. Christin Dunker escreveu sobre como essa percepção de sermos diferenciados é angustiante. "Entre o desabrigo de um e a precarização do outro é necessária uma nova política para o sofrimento. Ela começa pelo reconhecimento do comum e da intimidade." Como escreveu uma amiga, é preciso se reconectar com o ordinário. Entender que a vida é feita também de tédio, de dias que a gente não aprende nada, não vive nenhuma forte emoção. Bem o inverso do que as vezes parece ser imperativo performar nos stories do Instagram.
Austin Kleon compartilhou neste post como ele faz pra procurar coisas fora do que o algoritmo acha que a gente deveria ver, e como tem algo revigorante em as vezes não saber qual é a polêmica do dia do tuiter.
Um livro que gostei de ler, e que escrevi sobre o que ele me fez pensar: Talvez você deva conversar com alguém é um livro que fala sobre como o processo de recontar nossas histórias pode ser terapêutico e nos ajudar a construir mudanças que a gente deseja. O que estamos fazendo em todas as redes sociais é criar uma narrativa sobre quem somos, o que fazemos e o que apreciamos. Mas as vezes tenho a impressão que por conta do ritmo, a gente fica colados demais a essa narrativa, sem conseguir olhar de fora e apreciar. Esse livro me ajudou a lembrar quanto valor existe em se permitir um tempo pra recontar essas histórias, enxergando outras perspectivas.
No podcast Coemergencia foi muito bom ouvir a Carol Nalon falando sobre conversas que conectam. Sabe aquela impressão que as conversas das redes sociais viraram mais uma tentativa permanente de ganhar a conversa ou parecer mais inteligente, esperto, experiente, mas sem muito lugar pra trocas? Nesse episódio, a Carol lembra não só da importância das conexões mas também porque é tão difícil ouvir e reconhecer o argumento do outro: "Mudar de opinião requer que a gente tenha uma resiliência muito boa à vergonha, e quase ninguém tem". Como, então, a gente pode se colocar de uma maneira mais aberta e autêntica nessas conversas na rede?
Pra quem chegou até o fim dessa newsletter, mais uma vez, eu agradeço a companhia!
Se quiser compartilhar o Apoia-se nas suas redes, pode usar este link. Se esta for a primeira vez que você está recebendo essa newsletter que ficou num hiato, dá pra conhecer o tipo de coisa que eu venho enviando aqui. E melhor de tudo, espero você continue por aqui, independente de apoio financeiro, me fazendo companhia nessa nova etapa.
Um abraço,
Carla Soares
OutraCozinha