Estou indo morar numa chácara que fica próximo a uma cidade no norte de Minas Gerais chamada Janaúba - cidade com nome de planta. Fica no meio do Grande Sertão do Guimarães Rosa e já no semiárido brasileiro, distante de BH cerca de 550km caminhando em direção à divisa com a Bahia.
Foi meio inesperada toda essa escolha - se é que há mesmo tanta escolha assim que a gente pode fazer nessa vida.
Eu não conheço nada lá. A única vez que estive na região foi três semanas atrás, quando fui com o marido até a cidade procurar uma casa pra morar. É uma cidade de aproximadamente 70 mil habitantes, mais ou menos do mesmo tamanho da cidade em que eu morava no interior do Paraná. Ao menos dentro das minhas referências, Janaúba se parece com outras mais ao leste, no Vale do Jequitinhona, ou alguma outra cidadezinha do sul da Bahia.
Lá está sendo construída uma usina de energia solar, que a gente consegue avistar na estrada que leva até ela, logo depois de Montes Claros. A construção está movimentando a cidade. Por conta disso, é praticamente impossível achar um imóvel disponível pra alugar, já que estão todos ocupados com a população flutuante dos trabalhadores que estão construindo a usina. O que a gente fez, então, foi começar a procurar por imóveis fora dela.
Ali na região tem uma barragem que foi construída ainda no final da década de 1970, pensada pra possibilitar o uso das águas do rio Gorutuba no abastecimento da cidade e na irrigação da fruticultura, que é a principal atividade econômica que acontece ali. Muitas casas foram então construídas no entorno dessa barragem, casas de veraneio, para aproveitar a vista e o lago que se formou. As pessoas costumam alugar essas casas pra passar o fim de semana. O que eu fiz foi alugar uma dessas chácaras por um período mais longo, como se estivesse prestes a viver um grande verão.
Eu adiei bastante contar isso porque não sabia direito como me sentir. Eu não queria criar expectativas, especialmente depois de ter vivido tanta frustração. Como se controlar eu e todo o o resto do mundo de alguma forma fosse possível.
Ir morar num pequeno sítio me parece muito legal e fazer tanto sentido, mas ao mesmo tempo traz dificuldades extras que eu não estou acostumada a lidar. Internet a rádio com pouca banda, celular que funciona muito mal, problemas de segurança na zona rural, ter que lidar com todo o lixo pois coleta inexistente, ter que arrumar uma caixa postal porque também não tem correios, pererecas que parecem se multiplicar feito gremelins no banheiro, e como lidar com meus quatro gatos. Essas são as coisas imediatas que consigo antecipar e que venho resolvendo, mas com certeza muitas outras questões vão aparecer.
Ter voltado pra Belo Horizonte, que eu sempre soube que seria provisório, trouxe coisas boas. Belo Horizonte sempre vai ser a minha casa, um lugar que parece confortável e do qual eu sei mais ou menos o que esperar. Mas muitas das minhas coisas infelizmente não cabem muito bem mais aqui. Tanta coisa que antes eu estava interessada em fazer começaram a ficar tão distantes que eu cheguei a achar que elas não deviam mais ser importantes, só porque eu não conseguia mais encaixá-las na vida que vivi aqui. Fui perdendo uma parte do que eu tinha descoberto em mim porque aqui o que eu podia cultivar eram outras coisas, e eu não sabia bem o que fazer com as outras. Ainda mais quando nada era feito pra durar.
Eu comecei a escrever no OutraCozinha muito antes que eu morasse em uma casa, tivesse um quintal ou pudesse fantasiar morar fora de uma cidade. Eu imaginava que era possível que o OutraCozinha existisse sem que eu precisasse dessas coisas enquanto estivesse em Belo Horizonte porque o que eu faço é cozinhar outras ideias sobre a vida, usando pra isso a nossa relação com a comida.
Eu ainda não sei que outras ideias vou cozinhar nesse novo contexto, mas eu espero que elas continuem tendo sabor de curiosidade. E que o processo, ainda que possa ter muitos desassossegos, também tenha refrescos, e o que a vida mais quer da gente: um bocado de coragem.
Sobremesa
Pra quem se interessa por astrologia, a newsletter da Ísis Daou analisa a lunação em gêmeos que se inicia essa semana e que vem contra todo tipo de paralisia. Além de colagens autorais muito bonitas, Ísis tem uma linguagem literária pra falar de astrologia mundana, que é uma vertente que pensa nos impactos coletivos políticos, econômicos, culturais, sociais e climáticos, e que são o foco das análises dela.
Vira e mexe a Mila me conta que eu escrevi algo que parecia demais com o que tava dentro dela, e nesse processo de mudança fui surpreendida com um texto da Mila que eu tinha certeza que era pra mim. “Felicidade tem a ver com aproveitar cada instantezinho de coisa boa que existe, nem que esteja apenas no campo das ideias ainda. Muita coisa pode e vai dar errado, é preciso estar com algum pouquinho de esperança para ter força para colocar tudo no lugar, novamente.” Pra gente ser mais gentil com as nossas expectativas.
O que acontece quando a gente vai embora? é a newsletter que a Paula Maria do projeto Te escrevo cartas enviou essa semana. Recém chegada a São Paulo, ela revisita as mudanças que fez de Maceió, depois Vitória, Vila Velha até finalmente estar onde está. Ela faz um exercício especulativo de como a sua vida seria se ela não tivesse partido, até entender que O que aconteceu, aconteceu. Foi mal, Marty Mcfly, gosto mais dessa versão do passado no futuro.
Cafezinho
A minha despedida de BH foi ter ido ao lançamento do livro de poemas culinários da Carol Dini, do Cebola na Manteiga, que saiu pela Quintal Edições. Eu conheço e admiro a Carol pela internet há um bom tempo, e durante a minha estada por BH ensaiamos algumas vezes de nos encontrarmos, mas ainda não tinha dado certo. O lançamento teve direito a um banquete maravilhoso feito com receitas que ela compartilha no site, pra também inaugurar o espaço novo em que ela deve em breve oferecer cursos sobre comida. Além do livro, levei esse pôster com a ilustração da capa, pra colocar na nova casa.
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Um enorme abraço,
Carla Soares • OutraCozinha
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As imagens dessa newsletter são bordados que ilustram a capa do livro “Grande Sertões: Veredas”, do Guimarães Rosa, na edição de bolso da Companhia das letras. Já a foto é da barragem do grande verão.
Fico feliz por você, Carla! E torço para que logo logo tudo se ajeite.
que seja um verão maravilhoso ✨🌻